quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Medicina Nuclear - Uso de isótopos radioativos na medicina.

A medicina nuclear envolve dois usos distintos de radioisótopos: terapia e diagnóstico. No uso terapêutico, a radiação é empregada na tentativa de curar doenças. Algumas formas de câncer, por exemplo, podem ser tratadas por radioterapia. As células do tumor cancerígeno são destruídas pelos efeitos da radiação. Embora o feixe radioativo seja apontado precisamente sobre o tumor, diversos efeitos colaterais acompanham o tratamento. As células da mucosa intestinal, por exemplo, são particularmente susceptíveis à radiação, fazendo com que os pacientes sofram de náuseas e vômitos.

Fotoscan da glândula tireóide
Fotoscan com I-131 da glândula tireóide de um paciente obeso

Os radioisótopos também podem ser empregados com o propósito de diagnóstico, fornecendo informações sobre o tipo ou extensão da doença. O isótopo iodo-131 é usado para determinar o tamanho, forma e atividade da glândula tireóide. O paciente bebe uma solução de KI, incorporando iodo-131. O corpo concentra o iodo na tireóide. Após algum tempo, um detector de radiação varre a região da glândula e a informação é exibida, no computador, sob a forma visual. A figura é então chamada de fotoscan. O aparelho lê apenas a radiação gama, mas o I-131 também emite radiação beta. O tempo de meia-vida do I-131 é de apenas 8 minutos, o que faz com que toda a radioatividade cesse após algumas horas.

O radiosótopo ideal para uso de diagnóstico deveria possuir algumas qualidades: emitir partículas gama, pois estas tem um grande poder de penetração, e podem sair do organismo; não emitir, preferencialmente, partículas alfa ou beta; o tempo de meia-vida deve ser ideal: nem tão curto, que não possa ser detectado a tempo, nem tão longo, onde atividade ainda existiria após o diagnóstico. Felizmente, a natureza nos presenteou com um isótopo que atende a quase todas as necessidades: o tecnécio-99m, 99mTc. A letra m corresponde a metaestável: o isótopo pode perder alguma energia e se tornar estável. É isto o que ocorre: o átomo 99mTc emite uma partícula gama e se torna o átomo 99Tc, estável:

A imagem obtida pelo fotoscan com 99mTc, após injeção intravenosa, revela que não há perfurações no pulmão direito

99mTc 99Tc + g

A energia da radiação emitida pelo 99mTc é idealmente correta, e o t1/2 é de 6 horas. O isótopo é largamente empregado na varredura dos rins, fígado, bexiga, cérebro e pulmões. Este isótopo tem substituído um grande número de outros radioisótopos menos ideais, e a demanda para a produção do 99mTc é muito grande, o que tornou o seu preço bastante alto.

A tabela abaixo lista alguns isótopos comumente utililzados na medicina:

Principais radioisótopos usados na Medicina
Isótopo
Principais usos
3H
Trítio (hidrogênio-3)
Determinação do conteúdo de água no corpo
11C
Carbono-11
Varredura do cérebro com tomografia de emissão positrônica transversa (PET) para traçar o caminho da glucose
14C
Carbono-14
Ensaios de radioimunidade.
24Na
Sódio-24
Sistema circulatórioDetecção de constrições e obstruções do sistema circulatório.
32P
Fósforo-32
Detecção de tumores oculares, câncer de pele, ou tumores pós-cirúrgicos.
51Cr
Cromo-51
Diagnóstico de albumina, tamanho e forma da baço, disordens gastrointestinais.
59Fe
Ferro-59
Mal função das juntas ósseas, dianóstico de anemias
60Co
Cobalto-60
Tratamento do câncer.
67Ga
Gálio-67
Varredura de corpo inteiro com gálio-67Varredura do corpo inteiro para tumores.
75Se
Selênio-75
Varredura do pâncreas
81mKr
Criptônio-81m
varredura do pulmão com criptônio-81mVarredura da ventilação no pulmão.
85Sr
Estrôncio-85
Varredura dos ossosVarredura dos ossos para doenças, incluindo câncer.
99mTc
Tecnécio-99m
Fotoscan de corpo inteiro com Tc-99mUm dos mais utilizados: diagnóstico do cérebro, ossos, fígado, rins, músculos e varredura de todo o corpo..
131I
Iodo-131
fotoscan da tireóideDiagnóstico de mal funcionamento da glândula tireóide, tratamento do hipertireoidismo e câncer tireoidal.
197Hg
Mercúrio-197

Varredura dos rins
Varredura dos rins.


Tipos de radiação comumente empregados na medicina
Tipo de Radiação Fontes mais comuns Energia aproximada
(no uso)
Profundidade de penetração aproximada no
Ar Tecido Chumbo
Raios Alfa
(4He2+)
Rádio-226
Radônio-222
Polônio-210
5 MeV 4cm 0,05 mm 0
Raios Beta
(e-)
Trítio
Estrôncio-90
Iodo-131
Carbono-14
0,01 a 0,02 MeV 0,3 a 6 cm 0,06 a
4 mm
0,005 a 0,3 mm
Raios Gama
(fótons)
Cobalto-60
Césio-137
produtos do decaimento do Rádio-226
Tecnécio-99m
1 MeV 400 cm 50 cm 30 cm
Raios X
(fótons)

90 a 250 keV 120 a 240 m 30 cm 1,5 mm

Radiografia de raios-X dos ossos
O filme transparente fica escuro quando atingido pelo raio-X

A radioatividade também é utilizada para fornecer imagens detalhadas de órgãos internos do corpo humano. A forma mais simples é a radiografia de raios-X: os raios passam através do corpo, mas são absorvidos mais nas regiões mais densas, como, por exemplo, nos ossos. A radiação, então, incide e impressiona uma chapa fotográfica: o filme fica escuro e opaco nas regiões atingidas pelos raios-X. Os órgãos que absorvem a radiação (e.g., ossos) protegem áreas correspondentes, no filme, contra e exposição. Com facilidade, pode-se perceber anomalias nos ossos (fraturas, descalcificação) ou nas juntas. Mesmo tecidos pouco densos podem ser visualisados por esta técnica, desde que com a introdução prévia de um contraste - qualquer material que absorva raios-X. Um dos contrastes mais utilizados é um sal de bário, que serve para contrastar regiões do trato digestivo. O paciente ingere um "leite de bário", que é uma solução aquosa do sal, antes de fazer o exame.

CT do abdômem Hoje, técnicas mais modernas acoplam o raio-X ao computador; uma delas é tomografia computadorizada (CT), onde milhares de leituras de raio-X são obtidas, processadas, e então visualizadas em uma imagem tridimensional. Assim, a imagem obtida permite uma análise mais detalhada do problema, e permite diagnósticos mais precisos.

SPECT do coraçãoOutra técnica muito empregada é tomografia de emissão positrônica (PET), utilizada para medir e investigar processos dinâmicos que ocorrem no corpo, tal como o fluxo sanguíneo, ou a taxa na qual o oxigênio ou a glucose são metabolizados. As varreduras por PET computadorizadas (SPECT) são capazes de detectar pequenas anomalias cerebrais, responsáveis por ataques epilépticos, e detectar constricções em vasos sanguíneios ou tumores ocultos. A figura ao lado, por exemplo, é o resultado de uma análise de SPECT do coração, mostrando o dinamismo de seus movimentos, a sístole e a diástole. Para a leitura, é necessário a admissão prévia de compostos radioativos emissores de pósitrons - tal como o carbono-11. Este isótopo produz um pósitron por átomo, no decaimento. Um pósitron pode se combinar com um elétron (presente na matéria ordinária) e formar dois fótons, sob a forma de raios gama, que assumem direções completamente opostas.

+1e + -1e 2 g

Detectores estão espalhados ao redor do corpo do paciente, e o processamento de todos os fótons detectados produz uma imagem tridimensional e dinâmica do órgão investigado.

Aparelho para MRIA imagem por ressonância magnética nuclear (MRI) também é muito comum nos laboratórios de bioimagem. O princípio da técnica é o mesmo da do NMR, uma técnica analítica largamente empregada pelos químicos: alguns núcleos atômicos possuem momento de spin, e podem se alinhar em um campo magnético, dependendo da energia do campo. Ao se fazer uma varredura magnética (ou seja, aplica-se um campo magnético variável), os núcleos eventualmente absorvem energia para promover o seu alinhamento com o campo. A frequência da absorção depende do ambiente químico do núcleo. Em função disto, é possível se fazer um mapa de ressonância magnética do órgão, estabelecendo as diferentes regiões que correspondem aos diferentes ambientes químicos. Novamente, um computador é que processa as informações, e produz uma série de imagens tridimensionais. Além de oferecer imagens dos órgãos, também dá detalhes sobre as atividades metabólicas e fluxo sanguíneo; é útil para encontrar pequenos tumores ou obstruções sanguíneas, danos nas vértebras, problemas encefálicos, entre outros. É uma técncia moderna, e extremamente utilizada.

O custo para estas modernas técnicas de diagnóstico é ainda bastante alto, chegando a custar milhões de dólares para uma instalação relativamente simples (CT, MRI e SPECT). Para os pacientes o custo também é alto: muitos planos de saúde não cobrem exames de radioimagens. A grande vantagem é a enorme quantidade de informação fornecida pelos aparelhos, que somente seriam possíveis através de arriscadas cirurgias. Em alguns casos, estas informações não poderiam ser obtidas de nenhuma outra forma.



Original em: http://www.qmc.ufsc.br/qmcweb/artigos/nuclear/medicina.html

Um comentário:

Unknown disse...

Uma dúvida, durante os exames de diagnóstico é melhor se o tecido absorver isótopos radioativos ou isso geraria danos no tecido doente? Ando fazendo pesquisas e vi em algumas que a absorção da radioatividade facilita a formação da imagem.